O Mestre: a arte do domínio

Conhecido – pelo menos por quem vos fala – por ter a natureza humana como objeto de estudo, o cineasta americano Paul Thomas Anderson acaba de abarcar às telas brasileiras com mais uma incursão a uma das tantas naturezas humanas: o domínio. Ao contrário de como vem sendo divulgado, O Mestre é tudo menos “o filme sobre a cientologia”. Anderson filma aqui com todo o cuidado a manifestação dessa sede de domínio nas figuras de Freddie, Lancaster e – sim – Peggy.

Em 143 minutos ele nos apresenta a esse jogo onde um quer dominar o outro, onde um consegue dominar o outro, onde o outro não quer ser dominado pelo um. Ou melhor, ao invés de um jogo de quereres nós testemunhamos um jogo de poderes, ao que me refiro ao plural do verbo poder, poder de manifestação daquilo que é inerente à natureza humana. Freddie quer ser dominado, mas não pode pois sua natureza o impede de tal façanha. Já Lancaster Dodd (Master, se preferirem) não consegue manifestar o seu ser a não ser por essa natureza dominadora. Exceto quando se trata de sua esposa Peggy, aqui nós presenciamos a convergência de duas figuras altamente dominadoras que não se chocam, mas se completam dentro de toda essa complexidade dominativa.

Antes de assistir ao longa eu tinha a ideia de que seu título fazia referência ao personagem de Philip Seymour Hoffman – que no filme é chamado dessa maneira -, mas acontece que PTA é muito mais que isso. No original “The Master” é uma palavra que não inflige gênero (ao contrário de sua tradução, e eu não culpo o português por isso), portanto concluo que o filme narra os mestres e mestras da vida – e a própria vida como mestra – esmiuçados em cada quadro do filme.

O Mestre não é um filme para se ver apenas uma vez, é uma obra que te levará a uma viagem diferente cada vez que você vê-la. A riqueza de detalhes a que somos expostos é tão grande que se torna impossível dar conta de todos eles com apenas uma visita. O Mestre é um filme que merece ser redescoberto sempre. Agora paremos de filosofar e falemos dos profissionais brilhantes, essenciais ao sucesso do filme.

O olhar fulminante de Amy Adams

Comecemos então com o elenco. Como um amigo meu disse, você dificilmente encontrará um elenco nesse nível de excelência nesse ano. Joaquin Phoenix desenvolve aqui uma atuação imensurável em palavras, mas eu tentarei. É impressionante como desenvolve um ser humano a partir de um roteiro original, seu Freddie tem hábitos, maneirismos, modos de se portar e falar e só existe dessa maneira. Phoenix se entrega de corpo e alma, no sentido mais verdadeiro que essa expressão possa significar. Oposto à figura de Freddie temos Lancaster Dodd encarnado por Philip Seymour Hoffman que aliado a essa ideia de oposição vai numa linha de atuação completamente contrária a de Phoenix e o resultado disso é não menos que brilhante, como pode ser observado na cena da cadeia. E aí então temos a mulher por trás dos homens, A Mestra. Amy Adams se faz uma figura presente por todo o filme mesmo não estando em tela por grande parte dele. A dominação apaixonada de Peggy é tão forte que você avalia tudo o que acontece no filme pensando no que ela acha sobre aquilo. E é Peggy que profere a frase que define o que é O Mestre: “We will never dominate our eviroment the way we should unless we attack!”

Agora um breve parágrafo para falar sobre a estética do filme. Ambientado em 1950, não há nenhum aspecto do filme que não exale essa característica especificamente. Cenários e Figurinos muito simples, mas hermeticamente construídos para retratar essa época. A trilha de Jonny Greenwood nos situa através de canções que remetem aos idos anos. E o ápice se encontra na fotografia de Mihai Malăimare, Jr. que mantém essa linha de simplicidade mas que dá ao filme um toque antigo, como se tivesse sido filmado com câmeras antigas.

Dedico o último parágrafo pra falar de quem? Do Mestre: Paul. Thomas. Anderson. Melhor do que mestre seria o termo maestro, pois comanda essa orquestra com mãos firmes. Como mencionei antes PTA toma seu tempo, desenvolve tudo, filma sem pressa. Seu filme pode ser lido através de atos que agem progressivamente através da interação de seus personagens, culminando num final muito claro, muito realista daquilo que eles demonstram ser desde o começo. Nada é barato, nada está ali somente por estar, Anderson tem controle até sobre a imprevisibilidade que é a atuação de Joaquin Phoenix e entrega um filme que ao meu ver tem sido incompreendido. Ao fazer alusões a natureza não tão bonita do homem e a instituições “conhecidas” pela sociedade O Mestre tem encontrado um público cheio de juízos pré-concebidos a seu respeito que prejudicam na total apreciação e entendimento dele. O que eu acho? Quem perde são eles.

Com 3 indicações ao Oscar (os três atores), O Mestre chegou hoje às principais capitais brasileiras e merece ser conferido – quantas vezes for preciso. E tenham certeza que o tempo dará o seu devido reconhecimento.

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