O Mestre: a arte do domínio

Conhecido – pelo menos por quem vos fala – por ter a natureza humana como objeto de estudo, o cineasta americano Paul Thomas Anderson acaba de abarcar às telas brasileiras com mais uma incursão a uma das tantas naturezas humanas: o domínio. Ao contrário de como vem sendo divulgado, O Mestre é tudo menos “o filme sobre a cientologia”. Anderson filma aqui com todo o cuidado a manifestação dessa sede de domínio nas figuras de Freddie, Lancaster e – sim – Peggy.

Em 143 minutos ele nos apresenta a esse jogo onde um quer dominar o outro, onde um consegue dominar o outro, onde o outro não quer ser dominado pelo um. Ou melhor, ao invés de um jogo de quereres nós testemunhamos um jogo de poderes, ao que me refiro ao plural do verbo poder, poder de manifestação daquilo que é inerente à natureza humana. Freddie quer ser dominado, mas não pode pois sua natureza o impede de tal façanha. Já Lancaster Dodd (Master, se preferirem) não consegue manifestar o seu ser a não ser por essa natureza dominadora. Exceto quando se trata de sua esposa Peggy, aqui nós presenciamos a convergência de duas figuras altamente dominadoras que não se chocam, mas se completam dentro de toda essa complexidade dominativa.

Antes de assistir ao longa eu tinha a ideia de que seu título fazia referência ao personagem de Philip Seymour Hoffman – que no filme é chamado dessa maneira -, mas acontece que PTA é muito mais que isso. No original “The Master” é uma palavra que não inflige gênero (ao contrário de sua tradução, e eu não culpo o português por isso), portanto concluo que o filme narra os mestres e mestras da vida – e a própria vida como mestra – esmiuçados em cada quadro do filme.

O Mestre não é um filme para se ver apenas uma vez, é uma obra que te levará a uma viagem diferente cada vez que você vê-la. A riqueza de detalhes a que somos expostos é tão grande que se torna impossível dar conta de todos eles com apenas uma visita. O Mestre é um filme que merece ser redescoberto sempre. Agora paremos de filosofar e falemos dos profissionais brilhantes, essenciais ao sucesso do filme.

O olhar fulminante de Amy Adams

Comecemos então com o elenco. Como um amigo meu disse, você dificilmente encontrará um elenco nesse nível de excelência nesse ano. Joaquin Phoenix desenvolve aqui uma atuação imensurável em palavras, mas eu tentarei. É impressionante como desenvolve um ser humano a partir de um roteiro original, seu Freddie tem hábitos, maneirismos, modos de se portar e falar e só existe dessa maneira. Phoenix se entrega de corpo e alma, no sentido mais verdadeiro que essa expressão possa significar. Oposto à figura de Freddie temos Lancaster Dodd encarnado por Philip Seymour Hoffman que aliado a essa ideia de oposição vai numa linha de atuação completamente contrária a de Phoenix e o resultado disso é não menos que brilhante, como pode ser observado na cena da cadeia. E aí então temos a mulher por trás dos homens, A Mestra. Amy Adams se faz uma figura presente por todo o filme mesmo não estando em tela por grande parte dele. A dominação apaixonada de Peggy é tão forte que você avalia tudo o que acontece no filme pensando no que ela acha sobre aquilo. E é Peggy que profere a frase que define o que é O Mestre: “We will never dominate our eviroment the way we should unless we attack!”

Agora um breve parágrafo para falar sobre a estética do filme. Ambientado em 1950, não há nenhum aspecto do filme que não exale essa característica especificamente. Cenários e Figurinos muito simples, mas hermeticamente construídos para retratar essa época. A trilha de Jonny Greenwood nos situa através de canções que remetem aos idos anos. E o ápice se encontra na fotografia de Mihai Malăimare, Jr. que mantém essa linha de simplicidade mas que dá ao filme um toque antigo, como se tivesse sido filmado com câmeras antigas.

Dedico o último parágrafo pra falar de quem? Do Mestre: Paul. Thomas. Anderson. Melhor do que mestre seria o termo maestro, pois comanda essa orquestra com mãos firmes. Como mencionei antes PTA toma seu tempo, desenvolve tudo, filma sem pressa. Seu filme pode ser lido através de atos que agem progressivamente através da interação de seus personagens, culminando num final muito claro, muito realista daquilo que eles demonstram ser desde o começo. Nada é barato, nada está ali somente por estar, Anderson tem controle até sobre a imprevisibilidade que é a atuação de Joaquin Phoenix e entrega um filme que ao meu ver tem sido incompreendido. Ao fazer alusões a natureza não tão bonita do homem e a instituições “conhecidas” pela sociedade O Mestre tem encontrado um público cheio de juízos pré-concebidos a seu respeito que prejudicam na total apreciação e entendimento dele. O que eu acho? Quem perde são eles.

Com 3 indicações ao Oscar (os três atores), O Mestre chegou hoje às principais capitais brasileiras e merece ser conferido – quantas vezes for preciso. E tenham certeza que o tempo dará o seu devido reconhecimento.

O Retorno: parte 2

And we are back! Iniciando as atividades de 2013 falando mais um pouco de 2012. E vamos parar de papo furado e ir direto ao ponto. No finalzinho do ano eu vi um filme que me impactou profundamente, a primeira adaptação em incitou a conferir o material, tudo em uma semana. Estou falando de As Vantagens de Ser Invisível de Stephen Chbosky – o fato dele ser o autor do livro, roteirista e diretor do filme deixa tudo mais brilhante -, um filme que me encantou não só pela temática abordada como por ser um belíssimo trabalho cinematográfico mesmo. É a melhor representação do universo adolescente de que tenho notícia, um universo que me é muito recente e que foi trazido de volta por esse filme – salvas as, muitas, diferenças -, a honestidade aqui é gritante, não tem saída fácil, não tem maniqueísmos e os personagens não são idiotas, são gente. O filme é muito diferente do livro e isso me encanta ainda mais, são dois mundos que estão ali prontos para serem visitados. Stephen passou mais de 10 anos para adaptar essa história e tudo ali é tudo muito bem pensado, tudo pensado cinematograficamente, não vemos nenhum resquício de linguagem literária, a adaptação é perfeita e as escolhas dele se provam acertadíssimas. E não tem como falar do filme sem mencionar o seu elenco, os ótimos Ezra Miller e Emma Watson e o brilhante (sim, brilhante) Logan Lerman. Me faltam elogios pra esse menino, que tem aqui uma das melhores construções do ano. Seu Charlie é à flor da pele, mas introspectivo, ele sente tudo mas não diz nada, está tudo nos maneirismos, nos olhares e a sua construção sútil culmina num clímax que depende única e exclusivamente do seu poder de atuação. “Stop crying”. As Vantagens de Ser Invisível é mais um clássico nascido em 2012, prepare-se para ler muitos quotes do filme nas redes sociais.

Mantendo a linha de pensamento nas grandes obras de 2012 nós partimos para mais um filme com Ezra Miller, o polêmico Precisamos Falar Sobre Kevin. Polêmico cinematograficamente, pois o filme parece ter se tornado uma espécie de ame ou odeie. Eu, obviamente, amo. Lembro de ter ficado inerte um bom tempo quando o filme terminou. Muito se fala sobre a frieza dele, eu reconheço e aceito essa frieza. Frieza não, calculismo. Lynne Ramsay, a diretora, constrói uma obra muito bem calculada, à semelhança de Drive, todo plano, todo corte é muito bem planejado. E por falar em corte, a montagem não-linear do filme torna tudo muito mais interessante pois adiciona um suspense ao filme. O design de produção e a fotografia também são O Destaque, é tudo um show à parte e que casa muito com cada situação. Se no que diz respeito à direção e roteiro e a parte técnica é tudo muito calculado, o coração do filme está nas atuações, a montanha russa de emoções está ali estampada nos rosto de Ezra Miller, John C. Reily e – principalmente – Tilda Swinton, a grande atuação de 2012. Tilda hipnotiza, Tilda destrói. Aquele olhar perdido, procurando por um sentido para viver. Love that woman!

Partimos de uma atuação brilhante para outra igualmente poderosa. Estou falando de Nick Nolte em Guerreiro. O fragilidade do bruto. Nick é o pai de dois lutadores de MMA que não tem lá das melhores relações. É uma família disfuncional, desconexa e ele é a cola daquilo tudo. É a cola e o motivo de tudo aquilo ser do jeito que é. Paddy é aquele personagem que se conhecido desde a juventude seria odiado, no decorrer do filme nós vamos descobrindo mais sobre ele, sobre sua natureza violenta, sobre como o filho mais novo saiu de casa com a mãe e teve que cuidar dela e assisti-la morrer sozinho e como Paddy era um alcoólatra, agora recuperado e arrependido. Nick Nolte é o retrato da humildade, do arrependimento, um verdadeiro show de atuação de um veterano esquecido. Ele humaniza tanto esse brutamontes que não como não se relacionar e se emocionar. O Oscar 2012 de Ator Coadjuvante foi para as mãos erradas (com todo respeito ao Christopher Plummer).

Pra terminar, nós vamos falar do Impossível que se provou possibilíssimo (clichês à parte, rs). O longa espanhol de J.A. Bayona é um achado. Uma produção 100% ibérica de padrões que Hollywood invejaria, o grande blockbuster do ano. Bayona tem o controle de tudo e entrega um dos melhores filmes-catástrofe de que se tem notícia, seja pelos efeitos impecáveis, pelos atores gravando as cenas de água em tanques com água corrente ou a sonoplastia tão genial que dá medo. O Impossível é impactante, causa repulsa, arrepio, desespero, mas desperta principalmente a compaixão. Naomi Watts, Tom Holland e Ewan McGregor comandam esse filmaço! Eles e mais dois garotinhos (igualmente encantadores) são uma família de britânicos de férias na Tailândia quando aconteceu o tsunami de 2004, a família sobrevivente realmente existiu (com a diferença que eram espanhóis) e o filme narra essa jornada de sorte. Sim, sorte, pois só isso explica a reunião da família depois de tal catástrofe. O Impossível fica na memória porque é uma superprodução que se resume à simplicidade de lutar para ter seus entes queridos de volta e é justamente por isso que é tão marcante.

O Retorno: parte 1

Acredito que todo blogueiro deva sofrer do mal da preguiça, vocês não acham? Acho que de otimismo também, visto que faz quase 1 ano que eu não escrevo nada e aqui estou eu direcionando esse texto para “vocês” aí. Mas alguém em algum lugar deve ler isso aqui, pelo menos é o que eu espero. Ou não. Digamos que eu tenha levado muito a sério a proposta do blog e resolvi não falar sobre nada mesmo, ou talvez tenha sido um grande bloqueio. O que importa é que estou de volta e já tá bom de desculpas (desculpas?).

Aí você deve estar achando que eu vi o filme da minha vida e que a minha vontade de compartilhar meus sentimentos por ele era tão grande que eu não tinha outra escolha senão deixar o coração falar aqui no blog. Wrong. Final de ano é a melhor época para qualquer cinéfilo, os projetos mais esperados são lançados e tudo mais. Bem, se você mora nos Estados Unidos você é feliz, se você mora no Brasil você é um cinéfilo frustado pelo menos até fevereiro. Então eu venho aqui pra falar brevemente daquilo que marcou o ano de 2012 na vida desse cinéfilo.

Comecemos pelo fato de que esse é, provavelmente, o ano em que eu vi mais filmes. Tudo graças a um evento que acontece há anos, mas que eu só consegui acompanhar esse ano (mesmo que limitadamente): o Festival do Rio. Isso não é uma espécie de Top de Filmes ou de performances. Vamos falar descompromissadamente daquilo que marcou.

Comecemos com aquele filme visto em 2011 que impactou de certa forma, mas quando revisto recentemente fez todo sentido e mais um pouco. Estou falando de Drive, de Nicolas Winding Refn. Uma obra-prima da simplicidade, da sutileza. O filme do herói e da mocinha indefesa. A poesia da violência. Deu pra perceber que eu gostei bastante, né? Refn entrega na minha humilde opinião uma das grandes obras da década, daquelas milimetricamente calculadas, um filme frio que é repleto de paixão. Fotografia, elenco, trilha (que trilha) e edição são magistralmente comandados por esse gênio. Sim, é gênio sim. Podem me chamar de exagerado. Mas só reparem nas expressões de Gosling, nas situações em que ele se encontra e no trabalho de câmera, sim os planos, eles contam a história do filme junto com o roteiro. Drive, infelizmente, não fez muito barulho lá fora, mas será visto como clássico daqui a alguns anos. Wait and see.

Saindo de um filme nós vamos agora falar de um elenco. O elenco mais surpreendente de que tenho notícia, um elenco inimaginável para qualquer diretor, mas que na mão dos irmãos Paolo e Vittorio Taviani. Confesso logo que não conheço nada da filmografia deles, mas graças ao Festival do Rio consegui assistir à maravilha que é Cesar Deve Morrer, o último feito deles. O elenco previamente mencionado é composto por detentos de um presídio na Itália. O filme acompanha a rotina de ensaios deles para a montagem de Júlio Cesar de Shakespeare. Isso mesmo. O filme caminha numa linha tênue entre documentário e ficção e você nunca sabe o que é um e o que o outro. Eu mesmo assisti o filme achando ser tudo ficção (mesmo quando no começo há uma grande cena de introdução dos atores falando seus nomes, nacionalidades, sentenças e etc) e quando cheguei em casa descobri que eles eram de fato presidiários. O filme é emocionante demais e é carregado nos ombros por esse elenco maravilhoso que merece ser visto por milhares e milhares de plateias.

2012 tem se provado o ano da simplicidade e que melhor exemplo de simplicidade senão o iraniano A Separação? Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, o filme narra brilhantemente a vida cotidiana. É claro que não é tão vago assim. Ele se foca num divórcio, o divórcio de Simin e Nader (Leila Hatami e Peyman Moaadi, soberbos). Ela quer ir para os EUA para dar um futuro melhor para a filha do casal, Termeh, e ele não quer deixar o Irã pois é responsável pelo pai que sofre de Alzheimer. Tudo se complica mais ainda quando ela contrata uma mulher para cuidar do ex-sogro e um mal desentendido vai culminando em outro mal desentendido e aí temos a vida exposta para nós, uma sucessão de eventos aleatórios e ao mesmo tempo importantes entre si. Com um elenco soberbo e um roteiro genial (do também diretor, Asghar Farhadi), A Separação consegue ser um retrato não somente da sociedade iraniana, mas de um mundo que muda constantemente e parece se afunilar cada vez mais.

Para terminar, por hoje, falarei de duas atuações arrebatadoras, donas de seus respectivos filmes. Estou falando de Quvenzhané Wallis de Indomável Sonhadora e Jo Min-su de Pietà. Ambas conferidas num sábado, em sessão consecutivas, no Festival. A primeira é uma explosão de emoções, ela é a emoção na verdade. Quvenzhané (ou Nazie, para os mais íntimos) tinha apenas 6 anos quando filmou o incrível Indomável Sonhadora (no original, Beasts Of The Southern Wild), uma espécie de conto de fadas de uma sociedade esquecida que mesmo que fictícia se assemelha a muitas por aí. Hushpuppy vive aquilo que a cerca, sua vida é aquela natureza toda e seu pai. Ela segue seu instinto animal e tudo, absolutamente tudo o que seu pai dita, por mais absurdo que pareça. E por mais que ela seja durona, no final das contas ela é apenas uma criança e é aí que mora o brilhantismo dessa performance. Nazie vem sendo muito descreditada por isso, pois para muitos ela não está atuando e sim vivendo sua personagem. E não é esse o sonho de todo ator? Esses atores que ficam meses estudando uma vida, andam, falam e vivem como determinada pessoa. Nazie é Hushpuppy e ela arrasa!

Em contra ponto temos uma performance que é nada menos que sutileza. A Mãe de Jo Min-su é bem exagerada, tem rompantes bem grandes, mas a sutileza mora na construção da personagem que vai se moldando diante de nós durante os 104 minutos da fita. Ela vai se transformando e nós a conhecemos e a entendemos no final. É um trabalho impressionante, muito bem dirigido por Kim Ki-duk. Uma pérola do cinema coreano e que merece reconhecimento.

Bom, por hoje é só. Em breve eu volto a falar mais do que me impressionou em 2012.

50%

Câncer é o tipo de assunto que preferimos não pensar. Ao ouvir tal palavra, imediatamente milhares de pensamentos negativos vem a nossa cabeça. Logo no começo de 50% nós presenciamos essa cena. Qual seria a sua reação ao receber a notícia de que está com câncer? Assim como Adam, acredito que a partir do momento em que o doutor dissesse “você tem câncer” eu me desligaria dali e tudo de ruim passaria pela minha mente. É claro que não ouvimos os pensamentos na cabeça dele, mas está lá pra quem quiser ver. Com a fala do doutor abafada, é só a expressão facial de Adam que nos importa.

É claro que câncer define uma pessoa, durante todo o filme Adam é o “the cancer guy” a não ser bem no começo – antes de receber a notícia – quando somos apresentados ao Adam que não diz o que pensa, que é passivo a tudo que é imposto a ele, que não faz sexo com sua namorada há 3 semanas e não reclama com ela sobre isso. Você deve estar aí achando que com a doença Adam viraria uma nova pessoa: daria um pé na namorada, começaria a dizer tudo que vem à mente, mandaria o chefe pra um lugar não muito legal. Mas acontece que na vida real as pessoas continuam as mesmas, elas só estão doentes.

Ninguém melhor do que Will Reiser (responsável pelo roteiro) para tratar de tal assunto com tamanha veracidade. Levemente inspirado em sua própria experiência com a doença, 50% é um filme sobre câncer sim, com a visão de um comediante daquilo tudo que aconteceu na sua vida. Para trazer mais realidade à estória temos Seth Rogen interpretando uma versão esteriotipada de si mesmo (sob o nome de Kyle) que por incrível que pareça não é o loser que estamos acostumados a vê-lo interpretar. Fundamental ao sucesso da obra é a direção leve de Jonathan Levine que não imprime estilismos desnecessários ao filme e o conduz da maneira que deve ser conduzido.

Apesar do roteiro ser notável, é em Jospeh Gordon-Levitt que econtramos a verdadeira força da trama. Joseph explora o seu personagem – riquíssimo, diga-se – até não poder mais, ele não faz as mesmas expressões de hesitação a todo momento, ele não engole um sapo do mesmo jeito. Através do seu olhar e da sua linguagem corporal conseguimos enxergar o que cada passagem representa para Adam. Os diálogos desconfortáveis com Kate (Anna Kendrick) são tão verossímeis no que diz respeito às emoções sentidas pelos dois que – como dito no filme – são marinheiros de primeira viagem: ele com o câncer e ela em lidar com um paciente numa condição muito grave. E se Gordon-Levitt é brilhante internalizando suas emoções, o que dizer de quando ele externaliza? Parece que ficamos o filme inteiro esperando pra ele gritar com alguém ou chorar e isso demora tanto a acontecer que quando acontece nós não estamos preparados e nos sentimos tão desestabilizados quanto ele.

Termino esse texto fazendo referência a uma cena do filme que eu vou carregar pelo resto da minha vida. Quando Adam está para fazer a cirurgia que curará (ou não) o seu câncer, numa sequência muito rápida – assim como a vida – ele está na maca esperando e num estalo diz a seguinte frase para o seu pai:  Olha, eu sei que é difícil entender o que está acontecendo, mas eu queria que você soubesse que eu te amo muito. O pai de Adam tem Alzheimer e dificilmente entende tudo o que acontece durante o filme, mas aquilo tem tanto significado que até ele entendeu. Cinema pra mim é isso, é sentimento, é toque. Fico muito feliz quando percebo que filmes ainda são feitos para tocar as pessoas. 50% foi lançado aqui – infelizmente – diretamente em DVD, então corre para a locadora mais próxima de você conferir esse filme que – como um amigo meu me disse – vai te fazer pensar.

Millennium – Os Homens Que Não Amavam As Mulheres

De todas as características que me chamam atenção em Millennium – Os Homens Que Não Amavam As Mulheres aquela que mais vale a pena destacar é o amor que David Fincher declara por Lisbeth Salander. Creio que todos estão cansado de saber que o filme é a adaptação do best-seller sueco do escritor Stieg Larsson, então não vou perder tempo explicando a história – até porque quero evitar spoilers – vou simplesmente mencionar a adaptação sueca dos livros. Vou logo falando que não li os livros então no que concerne o material só posso comparar os dois filmes, adiantando logo que acho o filme de Fincher muito mais filme. Além de criar uma atmosfera de puro suspense, seja através da fotografia (bem parecida com a de A Rede Social) ou da trilha (menos pesada do que eu imaginava e muito bem dosada), Fincher consegue nos fazer relacionar com os personagens muito melhor do que Niels Arden Oplev. Sendo assim nós nos importamos com a história de Harriet e torcemos para que Lisbeth consiga se provar uma pessoa melhor do que ela aparenta.

Por falar em Lisbeth, falemos dela? A Lisbeth Salander de David Fincher nos cativa, ela mantém o ar misterioso que de vez em quando revela um pouquinho sobre si mesma e nós queremos cada vez mais. Não sei se muitos repararam, mas a cada cena do filme ela está com um corte de cabelo diferente, é claro que isso não faz o menor sentido, mas quem se importa? Fiquei até ansioso para ver qual seria o próximo cabelo dela. Não gosto do ar masculinizado da Lisbeth sueca (Noomi Rapace), prefiro muito mais o aspecto andrógino de Rooney Mara que consegue assustar e seduzir ao mesmo tempo. Por falar na Rooney, temos aqui um ótimo trabalho tanto corporal quanto interno. Aquilo que ela internaliza ela deixar marcado no seu corpo através de tatuagens e piercings – em todas as partes, e todos reais ok? -, mas quando é preciso ela consegue botar aquela emoção pra fora, acho que Mara consegue dosar muito bem isso e não parece uma doida varrida nem uma cold bitch, mas sim o meio termo nisso. Outra medida tomada por Fincher em relação a personagem que eu curti muito foi o seu envolvimento romântico com Mikael Blomkvist que acontece sim na versão original, mas que aqui tem um quê romântico por parte da Lisbeth, algo meio infantil – outra faceta da Lisbeth americana. E sem contar que ela loira é muito mais convincente aqui.

Reservo um parágrafo para comentar uma tendência que vem se mostrando presente nos últimos filmes do Fincher: a inserção de piadas sarcásticas e situações “engraçadas” no meio da trama. E ele maneja isso sem tirar o foco de nada, sem amenizar o clima, essas tiradas estão ali simplesmente para o nosso prazer. É tudo muito sutil e quase que imperceptível, mas como eu já tinha reparado bastante disso no último filme dele, a presença em Millennium só confirma a minha teoria por não haver nada disso no original sueco. Pra quem não está entendo, eis alguns exemplos (SPOILER ALERT): Lisbeth comendo McLanche Feliz em duas situações, as diversas respostas sarcásticas dela, ela indo tirar foto do gato morto, ela saber a quantidade de dinheiro que tem na conta do Mikael, I could go on and on. Só estou destacando isso mesmo pra reafirmar a genialidade dele, é claro que tudo isso tá no roteiro, mas eu tenho certeza que essas abordagens têm dedo do Fincher visto que elas se repetiram em pelo menos dois filmes dele – que eu me lembre – com diferentes roteiristas. Acho isso uma ótima maneira de manter o público entretido sem comprometer a dramaticidade da trama e sem percepção do mesmo.

O aspecto definitivo para o sucesso desse filme é a simultaneidade. Ao contrário da versão sueca, aqui a trama de Mikael se desenvolve ao mesmo tempo que a de Lisbeth. Os dois dividem a tela mesmo quando não estão juntos. Isso acelera o ritmo do filme e distribui o interesse para os dois protagonistas, não deixando que um ofusque o outro como claramente acontece no original. É claro que não só Mikael como Daniel Craig não chegam aos pés da outra dupla, mas ambos personagens são importantes para o desenvolvimento da estória e através dessa montagem as ações dos dois se complementam na resolução do mistério – por assim dizer.

Resumindo: Millennium é um filmaço! David Fincher na sua melhor forma, tratando devidamente uma estória que merece ser contada. Através da técnica ele cria quase um realidade alternativa e através de artifícios básicos como o roteiro ele nos suga para essa realidade e nos apresenta a uma estória que se destrincha em estórias que acontecem a todo tempo. E eu já ía me esquecendo da abertura, uma das melhores coisas do filme e sem dúvidas uma das melhores coisas dessa temporada. O impacto é muito grande, o filme já me ganhou ali. A versão de Immigrante Song do Led Zeppelin com vocais da Karen O é genial. Agora, eu quero só ver o que o Fincher vai nos apresentar nas duas sequências, visto que ele mudou o final do livro ao introduzir – se não me engano – informações que só aparecem na 2ª parte da saga. O filme estreia por aqui semana que vem, dia 27, e merece muito a conferida. Ah! Alguém dá um Oscar pro cara, por favor!