Millennium – Os Homens Que Não Amavam As Mulheres

De todas as características que me chamam atenção em Millennium – Os Homens Que Não Amavam As Mulheres aquela que mais vale a pena destacar é o amor que David Fincher declara por Lisbeth Salander. Creio que todos estão cansado de saber que o filme é a adaptação do best-seller sueco do escritor Stieg Larsson, então não vou perder tempo explicando a história – até porque quero evitar spoilers – vou simplesmente mencionar a adaptação sueca dos livros. Vou logo falando que não li os livros então no que concerne o material só posso comparar os dois filmes, adiantando logo que acho o filme de Fincher muito mais filme. Além de criar uma atmosfera de puro suspense, seja através da fotografia (bem parecida com a de A Rede Social) ou da trilha (menos pesada do que eu imaginava e muito bem dosada), Fincher consegue nos fazer relacionar com os personagens muito melhor do que Niels Arden Oplev. Sendo assim nós nos importamos com a história de Harriet e torcemos para que Lisbeth consiga se provar uma pessoa melhor do que ela aparenta.

Por falar em Lisbeth, falemos dela? A Lisbeth Salander de David Fincher nos cativa, ela mantém o ar misterioso que de vez em quando revela um pouquinho sobre si mesma e nós queremos cada vez mais. Não sei se muitos repararam, mas a cada cena do filme ela está com um corte de cabelo diferente, é claro que isso não faz o menor sentido, mas quem se importa? Fiquei até ansioso para ver qual seria o próximo cabelo dela. Não gosto do ar masculinizado da Lisbeth sueca (Noomi Rapace), prefiro muito mais o aspecto andrógino de Rooney Mara que consegue assustar e seduzir ao mesmo tempo. Por falar na Rooney, temos aqui um ótimo trabalho tanto corporal quanto interno. Aquilo que ela internaliza ela deixar marcado no seu corpo através de tatuagens e piercings – em todas as partes, e todos reais ok? -, mas quando é preciso ela consegue botar aquela emoção pra fora, acho que Mara consegue dosar muito bem isso e não parece uma doida varrida nem uma cold bitch, mas sim o meio termo nisso. Outra medida tomada por Fincher em relação a personagem que eu curti muito foi o seu envolvimento romântico com Mikael Blomkvist que acontece sim na versão original, mas que aqui tem um quê romântico por parte da Lisbeth, algo meio infantil – outra faceta da Lisbeth americana. E sem contar que ela loira é muito mais convincente aqui.

Reservo um parágrafo para comentar uma tendência que vem se mostrando presente nos últimos filmes do Fincher: a inserção de piadas sarcásticas e situações “engraçadas” no meio da trama. E ele maneja isso sem tirar o foco de nada, sem amenizar o clima, essas tiradas estão ali simplesmente para o nosso prazer. É tudo muito sutil e quase que imperceptível, mas como eu já tinha reparado bastante disso no último filme dele, a presença em Millennium só confirma a minha teoria por não haver nada disso no original sueco. Pra quem não está entendo, eis alguns exemplos (SPOILER ALERT): Lisbeth comendo McLanche Feliz em duas situações, as diversas respostas sarcásticas dela, ela indo tirar foto do gato morto, ela saber a quantidade de dinheiro que tem na conta do Mikael, I could go on and on. Só estou destacando isso mesmo pra reafirmar a genialidade dele, é claro que tudo isso tá no roteiro, mas eu tenho certeza que essas abordagens têm dedo do Fincher visto que elas se repetiram em pelo menos dois filmes dele – que eu me lembre – com diferentes roteiristas. Acho isso uma ótima maneira de manter o público entretido sem comprometer a dramaticidade da trama e sem percepção do mesmo.

O aspecto definitivo para o sucesso desse filme é a simultaneidade. Ao contrário da versão sueca, aqui a trama de Mikael se desenvolve ao mesmo tempo que a de Lisbeth. Os dois dividem a tela mesmo quando não estão juntos. Isso acelera o ritmo do filme e distribui o interesse para os dois protagonistas, não deixando que um ofusque o outro como claramente acontece no original. É claro que não só Mikael como Daniel Craig não chegam aos pés da outra dupla, mas ambos personagens são importantes para o desenvolvimento da estória e através dessa montagem as ações dos dois se complementam na resolução do mistério – por assim dizer.

Resumindo: Millennium é um filmaço! David Fincher na sua melhor forma, tratando devidamente uma estória que merece ser contada. Através da técnica ele cria quase um realidade alternativa e através de artifícios básicos como o roteiro ele nos suga para essa realidade e nos apresenta a uma estória que se destrincha em estórias que acontecem a todo tempo. E eu já ía me esquecendo da abertura, uma das melhores coisas do filme e sem dúvidas uma das melhores coisas dessa temporada. O impacto é muito grande, o filme já me ganhou ali. A versão de Immigrante Song do Led Zeppelin com vocais da Karen O é genial. Agora, eu quero só ver o que o Fincher vai nos apresentar nas duas sequências, visto que ele mudou o final do livro ao introduzir – se não me engano – informações que só aparecem na 2ª parte da saga. O filme estreia por aqui semana que vem, dia 27, e merece muito a conferida. Ah! Alguém dá um Oscar pro cara, por favor!

A Rede Social

Quando li a notícia de que seria feito um filme sobre a criação do Facebook, achei a coisa mais idiota dos últimos tempos. Achei que essa coisa das redes sociais tinha tomado conta da cabeça das pessoas de tal maneira que agora iria invadir o cinema também. Mesmo com o nome de David Fincher à frente do projeto eu não via futuro para aquilo até porque eu ficava me perguntando o que tinha de tão interessante a ser contado. Pobre de mim, não sabia dos ocorridos e quem melhor que David Fincher para me contar essa história?

Muito mais do que a história da criação do Facebook, A Rede Social é muito mais um estudo sobre determinados tipos de pessoas e de determinadas pessoas. Volta e meia vemos filmes que se tratam essencialmente da reação das pessoas em determinadas situações, das mais absurdas possíveis. Nunca que eu imaginaria que um filme sobre a criação de um site pudesse ir tão profundo nesse ponto, e ele vai tão fundo na ferida que ao final, um simples olhar, um simples silêncio te fazem entender o que se passa sem pensar muito. Ao término do filme, eu me sentia dentro da mente de Mark Zuckerberg que entre duas vistas ao filme foi de mocinho à vilão.

É claro que ao afirmar que ele é um vilão eu estou completamente distorcendo os fatos, mas só usei desse exagero pra expor o quanto a minha percepção do filme foi diferente nas duas vezes que o conferi. Lembro que quando acabei de ver na primeira vez eu fiquei morrendo de pena do Mark, que havia sido tomado como vilão por todos mas na verdade ele só queria se enturmar. O problema é que na segunda vez eu também senti pena dele, mas não pelos mesmos motivos. Senti pena por enxergar que tudo aquilo que ele buscava não teve valor algum para ele, que demorou demais para perceber. É a mesma ladainha de sempre: do que adianta conquistar o mundo se você não tem amigos? O problema é que desde o começo ele teve um amigo, do qual fez tudo por ele mas acabou sofrendo uma das maiores traições possíveis.

O Mark Zuckerberg do filme pode não ser inteiramente o da vida real, mas mesmo aquele é um prato cheio para psicólogos ou simplesmente para aqueles que querem cada vez mais entender o ser humano. A infantilidade representada em milhares de momentos do filme contrasta demais com a imagem do mais jovem milionário do mundo. Esse contraste é excelentemente apontado no filme, que utiliza da montagem não-linear para transformar a história na mais linear possível. Tudo se completa imediatamente, nós não temos que lembrar de fatos que ocorreram no começo do filme para compreender certos rumos da trama. Esse é um dos grandes trunfos do filme.

Geralmente eu divido meus textos entre os aspectos que mais me chamaram atenção, como a direção, o roteiro, as atuações. Mas ao falar de A Rede Social, não existem tais distinções. Os méritos mencionados nos parágrafos anteriores devem-se essencialmente à três homens: David Fincher, Aaron Sorkin e Jesse Eisemberg. David volta a sua velha forma (deixada de lado em Benjamin Button) e desenvolve um universo até então desconhecido dos cinéfilos que não funcionaria de jeito nenhum sem o – fica aqui o espaço para um adjetivo de sua preferência – roteiro de Aaron Sorkin que além de descrever tal universo, embasa toda a história numa persona absoluta, o Mark Zuckerberg de Jesse Eisenberg é um dos melhores personagens masculinos que vi nos últimos tempos. Já li muito por aí que Jesse deu sorte por se parecer com Mark, que a fala rápida dele é igual a do personagem, entre outros devaneios. Claro que nada disso deixa de ser verdade, mas a parte externa da atuação dele é a que menos me interessa. Eu canso de ler que tais atuações estão no olhar, nas expressões, mas por não ter tanta “experiência” as vezes encontro uma certa dificuldade de perceber isso, mas aqui a mágica aconteceu de uma tal maneira. A aparente inveja, o descaso, a ganância, a necessidade de ser aceito estão a todo momento, e dá pra diferenciar tudo isso. Eu pelo menos consegui a todo momento perceber o que se passava na cabeça daquele “gênio” indecifrável.

Fica aqui, então, o meu sincero reconhecimento a essa obra-prima da modernidade. A esse retrato da sociedade moderna tão milimetricamente perfeito que chega a assustar. E esperem, pois ainda ouviremos falar muito desse filme daqui pra frente, a temporada de premiações americana já começou e A Rede Social veio pra rapar todos os prêmios!

“The Social Network” .:. 2010 .:. EUA .:. Escrito por Aaron Sorkin .:. Dirigido por David Fincher .:. Avaliação: A+